terça-feira, 7 de junho de 2011

Leitura Gratuita - Contos Urbanos - Conto 2 " Tito Rosa e o Enforcado "

— Dá licença de me aprochegar ao seu lado, moço? O senhor é novo na cidade, não é? Bota uma pra eu, Zezinho. Soube que o moço está procurando Tito Rosa para negociar umas vaquinhas. Deixa eu lhe contar um causo.
Tibúrcio Eulestério Fragato de Moraes Peixoto. Esse é o nome de batismo de Tito Rosa.
Tito porque sua mãe, Dona Maria Eufrasina Fragato de Moraes Peixoto ou apenas Dona Nina, conta a lenda, era muito preguiçosa. Competia com as lesmas que subiam nos pilares de tijolos maciços da velha casa de madeira e, às vezes, as lesmas ganhavam. Chamava o guri de Tito, de preguiça de falar o nome todo. Bem, Dona Nina chamou Tito Rosa pelo nome completo apenas uma vez, por decepção. Foi quando ele teve que buscar o Medonho no campo, cavalo de carroça que ajudava no sustento da família. Antes desse episódio, era só Tito, depois passou a ser chamado por todos de Tito Rosa. Menos na sua frente, claro. Os poucos que deixaram escapar “Tito Rosa” na frente do moleque aumentaram a conta bancária do Dr. Laurino, o dentista da cidade.
Acontece que, no caminho para o campo onde estava Medonho, morava a Rosinha, que, até então, tinha como sobrenome Fagundes Alves da Silveira e, depois do acontecido, passaria a se chamar Dona Rosa Fagundes Alves de Moraes Peixoto. Acho que mais três gerações dessas e vai faltar linha para assinar tanto nome.
Voltando pro acontecido, no caminho entre a casa de Tito e o campo onde ficava Medonho, estava Rosinha, guria formosa. De chiquinha e tudo. Usava até chinelos, que a mãe havia feito. Sabia ordenhar a Preta, vaca leiteira muito da boa. Tinha até sardas nas bochechas. A Rosinha, não a vaca. Que bochechas lindas as da Rosinha! Sempre que Tito tinha a oportunidade, aproveitava para passar na casa da Rosinha. Se conheciam das festas de São João e das Quermesses. Tito sempre teve vontade de pegar na mão da guria, mas lhe faltava coragem. Naquele dia não. Ele saiu de casa decidido. Ainda mais que foi a mãe que mandou ele praqueles lados. Não tinha nem o peso na consciência de ter desviado o caminho.
Rosinha estava estendendo roupa no lado da casa. Seu vestidinho de chita de bolinhas deixava ver um “naquinho” das coxas, sempre que ela esticava os braços para estender as roupas que ela mesmo lavava na sanga que tinha no fundo da chacrinha. Rosinha tinha os braços firmes, de tanto esfregar roupa. O resto também devia de ser. Tito ficou observando Rosinha por um bocado de tempo. Até a guria perceber. Dava certo charme ser flagrado na observância. Rosinha não era nenhuma santa. Era flor. E flor era pra ser colhida.
Tito foi falar com Rosinha. Os dois prosearam por um bom tempo ao lado do poço, sentados na sombra do cinamomo, mascando galhinhos secos do chão. De vez em quando, a mãe dela espiava da cozinha para ver onde estavam. Conhecia Tito, permitindo, assim, a prosa. Dona Ana Guilhermina Fagundes Alves da Silveira era chamada por todos de Donana. Não sei por que esses nomes tão grandes se depois a gente chama pelos pedaços de nomes ou apelido inventado. Donana se abaixou para colocar mais lenha no fogão e, quando se levantou novamente, olhou pela janela e cadê Rosinha? Cadê Tito? Nada dos dois. Ela saiu devagar e procurou em volta da casa e nada dos dois. A roupa esvoaçando no varal. Na bacia, ainda tinha alguns lençóis para serem estendidos, e nada de Rosinha. Chamou pela guria. Chamou por Tito e nada dos dois. Entrou na casa para ver as panelas e o fogo com o coração apertado e um pouco de raiva.
Dona Nina já estava impaciente. Andando de um lado para o outro com o Cusco seguindo suas pegadas. Às vezes, quando muda a direção do andar, ela pisa em cima de sua pata ou de sua cauda. O bicho já está mancando e com a cauda em riste para escapar dos pés nervosos de Dona Nina. Mas, como todo o cachorro que se preza, não desiste, continua ali, fiel. Sete horas da noite e Tito, nada. Dona Nina já está com o jantar pronto, as galinhas já estão se recolhendo do terreiro, a Lina, vaquinha da família, já voltou para casa e Tito, nada. Dona Nina retira o avental fica um pouco na varanda olhando ao longe, mas nem sinal de Tito. Esperta como a raposa que roubou a carijó, Dona Nina lembra-se da Rosinha, guria formosinha. Aposta os ovos de uma semana inteira como ele está lá de prosa com a guria. Tira o avental da cintura e se larga praquelas bandas. O Cusco segue rápido mancando ao seu lado.
A idéia, no início, era só conversar um pouco mais à vontade. Tito convidou e Rosinha topou irem até o campo buscar o Medonho. Mas, ao chegarem ao campo, ainda era cedo e o campo estava tão verdinho, as amoras tão fresquinhas, a sanga ainda refletia a luz do sol e a conversa estava pra lá de boa. Se dependesse dos dois, eles nem se dariam conta do passar do tempo. Mas tinha o Medonho. Ele tinha que ir pra casa, senão não conseguiriam entregar o leite na manhã seguinte. Mas, naquela hora em que Tito ia pegar o bicho, ele arrebenta a corda e sai a galope assustando a guria. Tito olha para o Medonho correndo e para Rosinha com a mão na boca. Olha para a Rosinha com a mão na boca e para o Medonho correndo. Dá vontade de acalmar Rosinha, mas precisa catar o Medonho.
Tito sempre foi um guri de responsabilidade. Mas, naquela hora, até os homens de barba branca têm sua responsabilidade colocada à prova. Como negar o pedido do coração para atender a necessidade do ganha-pão? Até que rima, mas o que não rimou foi a decisão de Tito. Ele saiu em disparada atrás de Medonho e alcançou o matungo em dois tempos.
Mas e a Rosinha? Ficou atrás? Ficou foi nada! Quando viu Tito correndo atrás de Medonho, percebeu que ele era o homem de sua vida. Homem de verdade jamais iria fugir às responsabilidades de uma família. Esse era o homem que ela queria para casar. Tito pegou Medonho já no final do campo, onde estava a figueira do Enforcado.
A história de Chico Pala corria os tempos. Contavam que ele havia se enforcado por amor. Apaixonou-se por uma moça da cidade que nunca soube que Chico existia. Sempre morou sozinho. Nunca teve família. Só Chico e o seu amor não correspondido. Ficou assim por muitos anos. Tito ouviu essa história desde nascido. Um dia houve uma festança na cidade e Chico foi de gaiato, se perfumou e colocou sua melhor camisa para descobrir que a tal festa era o casamento da moça com um moço da cidade. Chico voltou para casa sem olhar para os lados. Sempre olhando para baixo, não teve dificuldade em colocar a corda por cima do galho da figueira. Encontraram Chico pendurado com um pala que cobria todo o seu corpo. Ao descerem ele do galho, descobriram que ele não vestia mais nada por baixo do pala. Ficou conhecido como Chico Pala e a figueira passou a ser chamada figueira do enforcado.
Chico Pala deixou uma casa velha onde as pessoas evitavam passar perto. Tito nunca foi dessas frescuras. Olhou para Rosinha que entendeu de pronto o que ele estava pensando. Entraram na casa. As paredes estavam cheias de frestas. O assoalho tinha buracos e os ninhos de ratos estavam por toda parte. Tito pegou a mão de Rosinha, mais por proteção, sem perceber direito o que estava fazendo. Ao se dar conta que estava de mãos dadas com Rosinha seu coração começou a pular querendo sair do peito. Sua mão e sua testa estavam úmidas de suor. Rosinha, que não era santa, era flor, percebeu o encabulo de Tito e ficou com cara de riso. Riso de alegria, pois ela também queria. Ói! Rimou de novo.
Tito entrou onde deveria ser o quarto. Só esse fato, já consumava o pecado. Os dois sozinhos dentro de um quarto. Na mente deles, eles estavam em casa. Na casa deles. Poderiam fazer o que quisessem, e foi o que fizeram. Rosinha conheceu o homem de sua vida por inteiro e Tito fez de Rosinha, sua mulher. O amor para ser descoberto por completo requer de tempo. Não pode ser às pressas, senão estraga o ato. Tito e Rosinha ficaram assim: se descobrindo de mansinho. Se pegaram no quarto do Chico Pala enquanto Medonho se fartava nas gramas verdinhas do jardim da casa do enforcado.
Dona Nina e Donana rumaram na direção do campo com o Cusco nos seus calcanhares. Donana teve que tirar as panelas do fogo para não queimar a janta. Depois teria que refazer o fogo e terminar de cozinhar. Mas quem pagaria o pato, é claro, seria Rosinha. Procuraram por toda a parte. Da porteira até o riacho. Nem sinal. Gritavam pelos nomes dos dois. Procuraram juntas e separadas para ganhar terreno, e nada. Dona Nina chorou na beira do riacho sobre a possibilidade de terem se afogado. Depois lembrou que, para nadar, Tito sempre tirava o calção. Procuraram nas margens até o rincão de cima, e nada. A noite não permitiu que elas continuassem procurando. Resolveram voltar e pedir ajuda. Ao chegarem à porteira principal, lá estava Medonho, com cara de feliz e jantado. Se medonho fosse cachorro, certamente estaria abanando a cauda, como fez Cusco ao ver Medonho vivo e sem ferimentos. Para Cusco, a busca havia terminado. Cachorro não sabe das necessidades das pessoas. Vai atrás e pronto. Cusco sabia que estavam procurando algo, enquanto elas gritavam, ele pulava em volta, querendo entrar na brincadeira de esconde-esconde. Agora que eles já acharam Medonho, é só voltar para casa. As tábuas da área da varanda, que tinham seu cheiro, o aguardavam.
Preto Abaixado, o delegado da cidade, foi avisado por Donana e reuniram-se na casa de Dona Nina. Ninguém queria alardear a notícia. Preto Abaixado era de confiança. Mas ele não poderia prosseguir na busca sozinho, precisava arrebanhar mais homens. Por exigência das mães, não mais que dois. Concordou com a quantia. Eles conheciam muito bem a região e encontrariam Tito e Rosinha em um ou dois dias. Preto Abaixado quis saber o que eles tinham feito. Nada. Foi a resposta. Não fizeram nada. Era só para descartar algum acontecido ruim. O resto as famílias resolveriam.
Na manhã seguinte, eram sete a procurar por Tito e Rosinha. Dona Nina e Medonho seguiram para a nascente do riacho com o Cusco chamando em latidos, Donana foi para a mata e Preto Abaixado com os seus ajudantes rebuscaram nas redondezas do campo. Ninguém cogitou procurar nas proximidades da figueira do enforcado, quanto mais na casa de Chico Pala. Todos pensaram, mas ninguém deu idéia. Procuraram, gritaram, chamaram, e nada. Mais uma noite chegou e Dona Nina chorava abraçada em Donana. Preto Abaixado prometeu continuar as buscas no outro dia e, se permitissem, traria mais homens.
Naquela noite, Dona Nina convidou Donana para irem até a figueira do enforcado. Donana sentiu um arrepio ao pensar que o enforcado poderia ter pegado seus filhos, ou os influenciado a se enforcarem por amor, também. Dona Nina não tinha tantos receios, mas não tinha coragem de ir sozinha até o local. Depois de muita insistência e garantia de que Cusco poderia protegê-las caso fosse necessário, Donana concordou. Chegaram à figueira às duas horas da madrugada. Tito ouviu as pegadas e pulou do chão, com as pernas bambas pela falta de alimento e pelo excesso de gozo. Saiu pé ante pé para flagrar o ladrão de almas que poderia estar com Chico Pala. Rosinha quis sair para ajudar seu herói, mas Tito fez sinal com a mão para que ficasse quieta onde estava. Em um dia de pegação com Tito, Rosinha já aprendera a obedecer. Vai dar ótima esposa. Tito ouviu as pegadas em um lado da casa e saiu pelo outro, para pegar o ladrão por trás. Juntou um porrete que estava no chão ao lado do poço de água podre. Na escuridão, Tito se aproximou do vulto e, sem perguntar, lhe aplicou um golpe certeiro no cangote – daqueles que nem Medonho agüentaria – o corpo caiu sem movimento. Tito chamou Rosinha para apreciar o ocorrido, mas a resposta veio de outro lado. “Tibúrcio Eulestério Fragato de Moraes Peixoto! O que é isso?” Tito reconheceu a voz de imediato. Não sabia se corria ou se enfrentava a fera com o porrete, mas não podia bater em sua mãe e não podia fugir deixando Rosinha para pagar pelo erro dos dois. Rosinha gelou ao ouvir aquele nome pomposo, grande como seu amor por Tito. Dá arrepio um nome desses. Rosinha saiu devagar para não ter mais surpresas, mas não evitou o grito de pavor, quando, à luz da lua, pôde ver sua mãe estendida no meio da relva abandonada, com um ferimento na nuca. Tito, então, percebeu que tinha posto a mãe de Rosinha para dormir.
Após gritar o nome completo de Tito a todo o pulmão, Dona Nina teve uma parada respiratória momentânea, levou alguns minutos para recuperar o fôlego e se calou por um bom tempo. Dona Nina mais Tito, mais Rosinha, supervisionados por Cusco, colocaram Donana em cima de Medonho e ficaram na casa dela até que ela se restabelecesse. Durante essas horas, Tito e Rosinha se olhavam com medo do que estava por vir. As mães, não disseram nada por enquanto. Talvez estivessem esperando para se recompor e atacar para valer em um golpe só. Não tinha outro jeito; tinham que esperar.
Quando Donana se recuperou, as duas se trancaram no quarto e ficaram horas proseando sobre o ocorrido. Tito e Rosinha não agüentavam de ansiedade. Quando saíram, Dona Nina pegou Tito pelo braço e o arrastou para casa sem dizer palavra. Quando Rosinha pensou em se despedir de Tito, Donana a colocou para dentro e fechou a porta segurando a guria para que ela não fosse até a janela. Cusco pulava e abanava a cauda em volta de Medonho, feliz com a família toda reunida.
Ao chegar a casa, Dona Nina foi direto para o quartinho detrás e pegou a mala velha que usava para todas as situações. Colocou as poucas peças de roupa de Tito e jogou em seu colo, sem dizer nada. Os olhos de Tito estavam secos, devido à falta de piscar, desde que saiu da casa de Rosinha. Donana fez o mesmo com Rosinha, acrescentando, em sua mala, alguns lençóis e o acolchoadinho velho que Rosinha havia ganhado de sua madrinha quando nasceu. As mães se encontraram na frente da casa de Rosinha, que ficava no caminho para o campo, onde ficava Medonho. Levaram os dois para a casa de Chico Pala e largaram o casal à sorte do Enforcado.
Do que se soube depois, nunca se teve certeza. Dizem que Dona Nina e Donana se fecharam dentro de suas casas e só saíram para serem enterradas. Morreram no mesmo dia. Suicídio.
Já viu alguém se suicidar se estrangulando, moço? Pois é, as duas mães se mataram assim. Quando as encontraram, cada uma na sua casa demorou um pouco para retirar as próprias mãos de seus pescoços. Tito e Rosinha só ficaram sabendo da morte delas vinte dias depois, quando Tito esteve na cidade, contada pelo Padre Henrique.
Lá “pras bandas” da figueira, juram ter visto Tito Rosa tratando da lavoura, acompanhado de alguém, que dizem ser Chico Pala.
Quando vai à cidade, Tito Rosa não fala com quase ninguém, tem pouquíssimos amigos e ninguém o visita em sua casa. Lá “pras bandas” da figueira, ninguém vai. E quando visitam Tito Rosa sem avisar, não voltam mais. Rosinha nunca mais foi vista na cidade. Há quem diga ter visto a guria proseando com alguém, quando Tito não está, que é Chico Pala quem cuida da casa na ausência de Tito Rosa. O filhinho dos dois ¬– é seu moço – foi o fruto dessa história toda. Mas o Padre Henrique não quis batizar, pois a criança nasceu com uma marca no pescoço que lembra marca de corda. Dizem que é Chico Pala ressuscitado.
Bem ou mal, estão vivendo a vida deles como Deus permite. Nunca me fizeram mal algum. Não estou aqui para julgar nem ser julgado.
Vai saber. O que o povo fala, se não é verdade, faz pensar. Não é mesmo, seu moço?
Bons negócios.
Fim

Quintana. Simplesmente Inesquecível

Quem Sabe um Dia (Mário Quintana)

Quem Sabe um Dia
Quem sabe um dia
Quem sabe um seremos
Quem sabe um viveremos
Quem sabe um morreremos!

Quem é que
Quem é macho
Quem é fêmea
Quem é humano, apenas!

Sabe amar
Sabe de mim e de si
Sabe de nós
Sabe ser um!

Um dia
Um mês
Um ano
Um(a) vida!

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois

Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois

Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois

Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois

Conselheiros da Cultura


Finalmente chegamos ao conselho municipal da cultura. Os conselheiros, na foto ao lado, foram eleitos sábado passado por unanimidade em chapa única criada à partir do consenso dos representantes de cada segmento artístico local. Dá-lhe Gravataí. Lição de democracia e cidadania. Obrigado a todos que contribuiram para mais esse passo. Agora contamos com a população para aproveitar todos os eventos que virão.